Laços com o rio são mais fortes do que a poluição
Fábio Faioli, de 54 anos, se recosta na cadeira plástica posicionada ao lado de um córrego de esgoto que invade o Rio Piracicaba sem cerimônia. Em sua mão, a vara de pescar busca piaus, lambaris e tilápias que resistem em águas quase mortas. Ao longe, os caiaques da Expedição Piracicaba seguem rio abaixo, em uma tentativa de despertar a população para uma luta que precisa ser travada urgentemente. A cena, carregada de simbolismo, foi pescada hoje, 3 de junho, em Timóteo, cidade do Vale do Aço visitada pela caravana no nono dia de jornada pela bacia hidrográfica de um dos principais afluentes do Rio Doce. Antes, pela manhã, moradores de Jaguaruçu expuseram problemas que tracejam a mesma realidade de Timóteo e região. No entanto, a positividade das recepções preparadas pelos municípios denota que há cidadãos preocupados em mudar esse cenário.
“O rio tem muita sujeira. O esgoto desce aqui do lado, tem dia que o cheiro é bem forte”, relata Fábio, que pesca no Piracicaba toda segunda-feira. Ele conta que a área, localizada no Bairro Cachoeira do Vale, reúne vários pescadores diariamente, o que soa contraditório quando se tem em conta a contaminação que o rio carrega nas proximidades da foz, no Rio Doce. Espanta saber mais ainda que esse pescado é comido. “É só passar na gordura”, receita o morador.
“Eu pesco no Piracicaba há bastante tempo. Aqui já teve peixe bom, mas hoje não tem mais. O rio está piorando, quando cheguei a Timóteo ele era umas três vezes maior. Aquele esgoto que desce ali, há 40 anos, não era esgoto, era um ribeirão cheio de peixe”, relembra Sebastião Coelho de Oliviera, 69 anos, dos quais 66 foram vividos na cidade do Vale do Aço. Tatão, como é conhecido, diz pescar nas águas de um rio doente, por lazer. “Se a gente ficar em casa a gente morre”, teme.
A prainha frequentada no Bairro Cachoeira do Vale ilustra como as pessoas buscam opções para escapar do dia a dia. O local tem uma vista linda, com morros altos de pedras aparentes emoldurando a paisagem. Seria um balneário perfeito, mas o homem faz questão de frustrar os planos da natureza. Relatamos situação semelhante em outros pontos da bacia, como no artigo “Beleza Desperdiçada”, disponível aqui.
Um fato que chamou a atenção dos navegadores da expedição, que ontem percorram 13 quilômetros de rio, foi a quantidade de lixo, como pneus e garrafas plásticas, às margens do Piracicaba, além do forte odor característico de um rio que está se esvaindo. Eles também relataram um alto número de pescadores no trecho percorrido, que certamente também estão fisgando problemas para a saúde.
Tratamento
A Copasa informa que implantou mais de 32 quilômetros de interceptores ao longo das margens de córregos da região e do Piracicaba. Essa tubulação evita que o esgoto caia no rio, conduzindo-o para a estação de tratamento (ETE), unidade recém-construída que aguarda a emissão da licença de operação para iniciar as atividades.
Segundo o superintendente regional da Copasa no Vale do Aço, Albino Campos, a unidade integrada de Coronel Fabriciano e Timóteo terá capacidade de atender até 140 mil pessoas. “A ETE terá capacidade de tratar até 360 litros de esgoto por segundo. Isso significa que teremos capacidade de tratar 85% da população de Timóteo e cerca de 50% da de Coronel Fabriciano”, pontua Campos. Ele acrescenta que a Copasa está focada no tratamento de esgoto na bacia do Piracicaba. “Hoje, por exemplo, foi publicado o edital para obras de ampliação da ETE Ipanema, que está na confluência do Rio Piracicaba com o Rio Doce”, salienta.
Falta Integração
A subsecretária de Meio Ambiente de Timóteo, Lucília Guimarães, sinaliza alguns dos principais problemas enfrentados na bacia do Piracicaba. “Ocupações irregulares têm trazido muitos problemas com relação ao assoreamento do rio. Há atividades sem licenciamento ambiental, sem condicionantes e sem processos que minimizem os impactos. Outra questão muito importante é o esgotamento sanitário. Com a nova ETE esperamos uma redução significativa do esgoto lançado no Piracicaba”, afirma.
Um dos objetivos da Expedição Piracicaba, além de entregar um diagnóstico completo sobre as condições das águas da bacia, dentre outros parâmetros, é promover a integração entre os diversos atores das 21 cidades que compõem esse território. A subsecretária confirma essa necessidade. Questionada sobre as tratativas com os outros municípios sobre o tema, ela diz que essas conversas não ocorrem, porém, “nós esperamos que as outras cidades à montante estejam preocupadas em estabelecer a política de saneamento básico”.
Receptividade
A Expedição Piracicaba foi recebida em Timóteo em cerimônia organizada pela prefeitura, que contou com autoridades municipais, caso do vice-prefeito Professor Vespa, alunos da rede pública de ensino e moradores, dentre outros. O ponto de encontro foi a Matriz de São José, onde uma feirinha ofertava produtos como verduras, legumes e quitandas oriundos de propriedades rurais da região.
Realidades Próximas
Pela manhã, a Expedição Piracicaba passou por Jaguaraçu, onde foi recebida no ginásio da escola estadual. O prefeito José Júnio, o vice, José Rosa, secretários municipais e demais convidados, além de estudantes, produtores rurais e moradores, estiveram presentes. O encontro foi um dos que apresentaram maior grau de participação, com muitas perguntas vindas do público sobre temas variados, desde a formação profissional dos membros da equipe até as soluções que poderão ser propostas a partir do diagnóstico.
Conhecida pela alcunha de “Cidade das Águas”, Jagauraçu, que em tupi-guarani significa “onça grande”, pode estar perdendo porte quando o assunto são recursos hídricos. Domingos Pereira Lana, de 61 anos, nascido e criado na localidade, afirma que a região passa por uma situação crítica no que se refere à água. “Quando foi construída a barragem da cachoeira da Jacuba, eu me lembro que demorava 20 minutos no máximo para que o poço transbordasse. Hoje com menos de duas horas ele não transborda”, compara.
Lana direciona o dedo indicador o Córrego do Onça, afluente do Piracicaba que corta a cidade, e diz que, quando criança, costumava pular da ponte para nadar sem qualquer problema. Hoje, quem o fizer estará condenado, pois o córrego corre bem raso, com partes do leito à mostra.
A engenheira ambiental da prefeitura, Jenifer da Rocha, lembra que a cidade tem 100% do esgoto da sede urbana tratado em uma ETE (cerca de mil moradores), além de contar com uma usina de reciclagem que processa 1,5 tonelada de lixo por dia. “No entanto, temos problemas com nossa mata ciliar, por exemplo, que é quase inexistente”, finaliza.
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